O Rio de Janeiro do início do
século XX era uma nova capital com a reforma empreendida pelo prefeito Pereira Passos
e Paulo de Frontin,
que visava criar uma nova feição da cidade. Com apoio de setores da elite da
sociedade, promoveu um “bota-abaixo”, como ficou conhecido o
prefeito.
Incentivado pelo presidente
Rodrigues Alves, Pereira Passos começou as reformas em 1903 durando até 1906,
no fim de seu mandato. O Presidente da República levantou os recursos para o
prefeito realizar as obras, bem como para o
médico sanitarista Oswaldo Cruz, diretor do Serviço de Saúde Pública, higienizar
a cidade.
A reforma na cidade do Rio de
Janeiro, fortemente impactada pelo plano de
Haussmann (Georges-Eugène Haussmann foi nomeado prefeito de Paris por Napoleão III e remodelou a cidade de Paris), ocorrido entre os anos de
1853 a 1870, promoveu intervenções de ordem sanitária, viária e estética. O
principal objetivo de Pereira Passos foi o embelezamento, dando nova fisionomia
arquitetônica à cidade através da valorização dos espaços centrais,
determinando recuo das edificações substituindo as antigas vielas por ruas mais
largas e arborizadas. Foram realizadas obras de
escoamento das águas pluviais, privilegiando a área central da cidade, os
bairros vizinhos e parte da zona sul, destacando também o esgotamento sanitário
e sistema de abastecimento de água.
Francisco Marcelino de Sousa
Aguiar foi prefeito do Distrito Federal entre 1906 e 1909, nomeado pelo
presidente Afonso Pena, com a missão foi concluir obras da administração
Pereira Passos. Em 1909 foi nomeado para o cargo de prefeito, pelo então
presidente Nilo Peçanha, Serzedelo Correa, que exerceu o cargo durante 15
meses, de 24 de julho de 1909 a 15 de novembro de 1910, período em que realizou
um trabalho de organização, reestruturando vários órgãos municipais e criou o
Serviço Sanitário da Instrução Pública. A Bento Ribeiro prefeito de 16 de
novembro de 1910 a 16 de
novembro de 1914 coube a implantação de um programa rigoroso de contenção de
despesas, na tentativa de estabilizar as finanças municipais. De 1914 a 1920, a
cidade teve seis prefeitos, com gestão de no máximo 2 anos, impedindo ações de
planejamento de médio prazo.
A administração de Carlos Sampaio
(1920- 1922) se dedicou à comemoração do Centenário da Independência. Realizou a demolição
do Morro do Castelo, a abertura da Avenida Rui Barbosa, dando continuidade à
Avenida Beira-Mar ligação do Centro à Copacabana; executou obras de saneamento
e embelezamento na Lagoa Rodrigo de Freitas. Intensificou a retirada do centro da cidade de residências de baixa renda, direcionando
a ocupação dos subúrbios, mas teve as instituições de classe de arquitetos e
engenheiros apontando a necessidade de elaborar planos urbanístico para a
cidade.
A seguir, na gestão Alaor Prata (1922-1926), o debate em torno da
confecção de um plano de remodelamento para a cidade foi encampado por outros setores da sociedade, como o recém criado Rotary Club do Rio de
Janeiro.
Assim, Prado Júnior
(1926-1930), em janeiro de 1927, convidou o Professor Alfredo Agache para vir
ao país, a fim de realizar palestras sobre urbanismo, perante as críticas
de diversos arquiteto.
Figura
1: O Jornal de 5 de junho de 1927 ( Segunda secção pagina 1).
Alfred Hubert Donat Agache, mais
conhecido como Alfred Agache, nasceu em Tours em 1875 e faleceu em Paris em 1959. Lecionou
como titular da cátedra de História de Arte no Collège Libre des Scienes
Sociales. Em 1903, ganhou seu primeiro Concurso Internacional para a
reformulação da Capital da Austrália, Camberra. Neste mesmo ano publicou
"La Housing - question a Londres", um estudo da habitação popular em
Londres. Após a primeira guerra mundial, escreveu "Reconstruire nos cités
détruites, Notions d'urbanisme s'appliquant aux villes, bourgs et
villages". A partir de 1919, ele foi responsável pelos planos de
urbanização de Paris, de Dunquerque, de Orleans e de Lisboa.
Busto na Praça Paris de Alfredo Agache
Em 22 de maio de 1927, o
prefeito Prado Júnior anunciou a vinda do arquiteto para organizar estudos de
remodelação da cidade, abrangendo serviços indispensáveis a uma grande capital.
A contratação de Agache foi
promovida pelo Sr. Francisco Guimarães, diplomata brasileiro em Paris que fazia
campanha por um plano para o Rio de Janeiro desde 1919, no valor de 100 mil
francos, mais as passagens de ida e volta a Paris. Desde as reformas
promovidas por Pereira Passos na área central da cidade e seguidas pelos
prefeitos que o sucedeu, inúmeras críticas a todas as intervenções que “abandonou”
aos moradores mais pobres, demonstrava ao desconhecimento da importância de um
plano urbano com um diagnóstico exato da Cidade e de uma atuação em sintonia
com as ideias urbanísticas.
Em 20 de junho de 1927, Agache
desembarcou na cidade. No dia 5 de julho, realizou a 1ª Conferência no Teatro
Municipal do Rio de Janeiro, na presença do Presidente do Brasil e do Prefeito
desta cidade, com a apresentação inicial do Rotariano Mattos Pimenta, que expôs
a carreira do conferencista. Agache na ocasião
se dedicou a explanação do que é o Urbanismo, sobre a tarefa de um urbanista,
encerrando sua apresentação com o histórico do desenvolvimento de Paris,
ilustrando a exposição com projeções luminosas.
Nos primeiros dias na cidade,
Agache procurou promover palestras, na busca de apoio, principalmente para os
mais interessados em conhecer uma nova forma de pensar as cidades. No dia 15 de
julho, se apresentou no Salão de honra da Sociedade de Geografia, promovida
pela Liga Esperantista Brasileira; no dia 20 promoveu a 3ª Conferencia com o
tema “Cidades tentáculos e cidades satélites. Solução para a cidades jardins”; dia 23 do mesmo mês, no Automóvel Clube, expôs
sobre os novos métodos de fotografia aplicados ao estudo dos planos das
cidades.
Por outro lado, é
manchete de um jornal da cidade “Convivendo com as almas simples – O urbanista
Agache foi homenageado ontem com uma feijoada completa, que lhe foi
oferecida pelos moradores do Buraco Quente, no morro da Favela”.
Figura
2, O Jornal dia 19 de julho de 1927, página 7
Além das favelas o urbanista
percorreu todas as áreas da cidade para a elaboração do plano. Cabe aqui o diagnostico
no texto de Agache (1930).
“O problema das
favelas está ligado a questão do preparo dos subúrbios operários. Pode-se dizer
que são o resultado de certas disposições nos regulamentos de construção e da indiferença
manifestada até hoje pelos poderes públicos, relativamente as habitações da
população pobre. Perante as dificuldades acumuladas para obter-se uma
autorização de edificar – requerimentos e formalidades só alcançam o seu
destino depois de muito tempo e taxas onerosas – o operário
pobre fica descoraçado e reúne-se aos sem teto para levantar uma choupana com
latas de querosene e caixas de embalagem nas vertentes dos morros próximos a
cidade e inocupadas onde não lhes reclamam impostos nem autorização.
Pouco a pouco surgem casinhas
pertencentes a uma população pobre e heterogênea, nasce um princípio de
organização social, assiste-se ao começo do sentimento da propriedade
territorial. Famílias inteiras vivendo lado uma da outra, criam-se laços de
vizinhança, estabelecem-se costumes, desenvolvem-se pequenos comércios.
É um fato curioso, grave sob o
ponto de vista social estimar-se a população das favelas em 200.00 almas, grave
igualmente porque o abandono aos morros representa o abandono a uma liberdade individual
ilimitada criada dos sérios obstáculos não só sob o ponto de vista da ordem
social e da segurança, como sob o ponto de vista da higiene geral da cidade,
sem falar da estética. Não devemos esquecer, no entanto, que se as favelas são
bairros infectados eles não faltam, pela sua situação, nem sol, nem de ar e
sol, gozam de um horizonte invejável e não é para surpreender se a população
pobre se encontra ali mais a vontade do que em numerosas vilas e avenidas
construídas para ela e onde falta ar e espaço”.
Das áreas residências suburbanas
aponta: “Até a hora atual, os subúrbios operários da Leopoldina e da Central do
Brasil desenvolveram-se sem plano de conjunto e a maior parte deles são a
justaposição de loteamentos ao acaso de propriedades particulares. Eles se
assinalam pela falta de ossatura de vias principais que permitam comunicações
fáceis e transportes rápidos para o centro urbano ou os lugares de trabalho, a
ausência de jardins, largos ou espaços livres para jogos; afora algumas ruas
mais importantes, a maior parte das calçadas não tem revestimento e cada chuva
de alguma intensidade as transforma em barrancos; o abastecimento de água é
insuficiente e os esgotos, totalmente inexistentes desde que nos afastamos do
centro”.
Ao se deter no seu Plano
Diretor, evidencia-se o caráter
científico da proposta, inicialmente com o estudo historiográfico detalhado da
evolução urbana. A seguir, percebe-se que a topografia da cidade tem atenção central,
devido à grande presença de montanhas. Por fim, nos “grandes problemas
sanitários”, Agache aborda a questão do abastecimento d’água, do esgotamento
sanitário e das inundações. A sua formação sociológica, associada a uma investigação
cuidadosa e metódica de dados estatísticos (dados do Censo de 1920), no sentido
de planejar o zoneamento, permitiu um diagnóstico
da cidade até então inexistente.
Diferentemente da proposta de
Pereira Passos, que focou na área central, o Plano Agache teve como objetivo
ordenar a cidade através de um zoneamento e de uma legislação urbanística. Ele
estabeleceu duas funções principais: (i) político-administrativo,
devido à posição da cidade enquanto capital; e (ii) comercial-industrial, pela condição
de porto, na área central.
O deslocamento das indústrias
para a áreas distantes, de acordo com os projetos das elites, desde a gestão
Pereira Passos (1902-1906), com a expulsão das populações pobres do Centro e da
Zona Sul, foi mais evidente quando Agache, definiu as favelas como
“conjunto de habitações precárias dos morros do Rio de Janeiro”. Agache
propôs a sua destruição e a transferência desta população às vilas operárias,
as quais seriam construídas nas regiões suburbanas. Convém observar que esta proposta
foi retomada nos anos de 1960 pelo governador Carlos Lacerda.
Entre as inúmeras propostas,
Agache apresentou, a partir do estudo das bacias
hidrográficas, a necessidade de construção de barragens, de barragens-reservatórios,
destacando a importância da conservação das obras, a proteção do solo pela
arborização, projetos de rede de saneamento. Apresentou a possibilidade de
construção de linhas de Metrô e esquemas de construções para as nove zonas que
diferenciou na cidade.
Planta
1 – Planta de zoneamento proposta pelo Plano Agache
Planta 2 - Proposta da Cidade Universitária na Praia
Vermelha, unificando prédios num único ambiente acadêmico.
Planta
3 – Proposta de rede de esgoto sanitário da área urbana.
O plano idealizado por Agache
foi entregue nos últimos meses da administração do prefeito Prado Junior. Em
outubro de 1930 é deposto o Presidente Washington Luís e consequentemente o
prefeito, determinando a descontinuidade das propostas e desconfiança, bem como
o retorno de Agache a França. O plano foi finalmente revogado pelo novo prefeito
Pedro Ernesto (1931-1936).
Em 1939, Agache retornou ao Rio
de Janeiro, passando a ser o consultor da empresa de engenharia Coimbra Bueno
& Cia Ltda. Entre os anos de 1940 e 1943 foi um dos responsáveis pelo plano
de urbanização da cidade de Curitiba, através da empresa que era consultor. Também
elaborou projetos urbanísticos para São Paulo, Vitória e Recife, e cidades de
outros países, como São Petersburgo, Chicago, Lisboa e Istambul.
Do Plano Agache, presente até
os nossos dias na paisagem urbana da cidade do Rio de Janeiro, está a Esplanada
do Castelo e a Praça Paris – projeto do
arquiteto paisagista André Redont – e a
concepção da Avenida Presidente Vargas.
O legado de Alfred Agache, bem
como de sua equipe formada pelos arquitetos E. de Gröer e W. Palachon e o
engenheiro sanitarista A. Duffieux., foi a consolidação do primeiro Plano
Diretor completo, com a
metodologia e um diagnóstico detalhado da situação urbana da cidade do Rio de
Janeiro. A partir dele podemos pensar o planejamento urbano como ciência a ser aplicada na nossa cidade.